Dia da Abolição da Escravatura: Precedentes e Reflexões
É inegável que o dia da Abolição da Escravidão no Brasil é uma importante data histórica nacional. Contudo, é relevante enxergá-la além de sua identidade primária, sempre ponderando criticamente os verdadeiros frutos posteriores a assinatura da Lei Áurea.
No presente dia, 13 de maio de 2024, comemora-se 136 anos da assinatura da Lei Áurea, legislação formal que previa a abolição da escravização de pessoas negras no Brasil.
Um ponto de partida importante é que, ao contrário do que é ensinado nas escolas, o desenrolar dessa ordem não originou-se de modo repentino e por menos deve ser protagonizado pela princesa Isabel, a qual apenas assinou o documento.
Esse processo carrega consigo um histórico de lutas e resistências por aqueles que foram martirizados pelo sistema imperialista da época. Antecedentes esses que devem ser relembrados não somente na data abolição, mas como forma de entendermos nossas bases históricas de identidade nacional.
“Quando falamos da História do povo negro, sempre nos lembramos da violência inenarrável da escravidão, mas não devemos nos esquecer de que nas lutas pela sobrevivência e pela superação da violência sempre estiveram presentes a criação de alegria, de beleza e de prazer.” ~Angela Davis
O Brasil, em sua independência em 1822, seria construído como uma terra sem escravidão. Sendo o primeiro país da América do Sul sem esta mancha. Contudo, regido pela coroa portuguesa e pelas oligarquias que defendiam a manutenção do regime e os ganhos desse, o território nacional foi o último sul-americano a aderir à liberdade de pessoas negras.
Conjunturas Pré-Abolição:
Ainda com domínio do império português no país, pressões internacionais, a exemplo da Inglaterra, demandaram pelo fim do tráfico humano.
O pioneirismo do país inglês, perante a Revolução Industrial, cultivou outros interesses de mercado, buscando uma economia diversificada, não concentrada em um sistema econômico único - como o comércio escravo. Sendo este último, um requisitador de expressivas quantidades de investimentos que, na prática, não movimentaria o novo sistema de capitais almejado pela Revolução.
À vista disso, conclui-se que não se tratava de questões humanitárias de libertação do povo negro, mas por estratégias políticas econômicas que melhor apeteciam a potência mundial do período.
Como supracitado, a pretensão era a eliminação do tráfico de pessoas nos portos, mas não o fim da escravidão.
A chamada Lei Feijó, em 1831, foi estipulada para aplicar a suspensão dessa comercialização marítima. Contudo, obteve efeito contrário: com o medo da perda da principal mão-de-obra dos engenhos, os donos de terras intensificaram a compra e venda de pessoas escravizadas. Essa prática deu origem ao ditado “para inglês ver”, pois era somente uma maneira formalizada, não prática, de acatar as preferências da Inglaterra.
"A carne mais barata do mercado é a carne negra" ~Elza Soares, “A Carne”
Em 1850, postulou-se a Lei Eusébio de Queiroz para o fim definitivo desse comércio marítimo. Entretanto, em 1856, o comércio interno foi intensificando-se nas diferentes regiões do Brasil - popularizando o infeliz fenômeno nacionalmente, não somente nos antigos portos.
Atrelado a isso, está a Guerra do Paraguai, em 1864. O discurso de alforria para com os escravos que lutassem na guerra, contrastava-se com o intenso cenário escravista nacional supracitado, abrindo brecha para o descumprimento do acordo.
Os acontecimentos posteriores, como a Lei do Vento Livre e do Sexagenários, foram idem conclusivos para a assinatura da Lei Áurea, sobretudo pelos movimentos abolicionistas que intensificaram-se ao decorrer do tempo.
Importantes figuras abolicionistas nomeam-se:
Luiz Gama. Filho de uma negra livre e pai branco, foi escravizado aos 10 anos, mesmo nascido idem livre. Com sua libertação aos 17, aprendeu a ler e formou-se advogado, defendendo outros negros gratuitamente.
José do Patrocínio. Filho de uma mulher escravizada e um clérigo, conseguiu se formar em farmácia e era reconhecido como “republicano de última hora” devido suas influências na proclamação da República.
André Rebouças. Foi o primeiro engenheiro negro a se formar em uma Escola Militar, era professor e de grande influência intelectual no Império.
As 3 personalidades compartilhavam a atuação no jornalismo. Utilizavam-se da ferramenta escrita para satirizar e denunciar o sistema escravista em jornais abolicionistas. A Sociedade Brasileira Contra a Escravidão foi uma instituição de grande importância para o movimento, fundada pelos estudiosos citados.
Os primeiros Estados a abolir individualmente a escravidão foi o Amazonas e Ceará em 1884, pressionando, assim, o Império Português. Com a diminuição da quantidade de pessoas em situação de escravidão nos próximos anos e com formalização da abolição da escravatura em 1888, o número de negros ainda em condições escravas contavam com 5% da população brasileira - conforme o censo da época.
Conjunturas reflexivas Pós-Abolição:
A libertação efetiva da Lei Áurea é discutível socialmente. A “libertação”, observada nas entrelinhas, se traduz em uma herança de desproteção, fome, obstáculos na educação basilar, invisibilidade e preconceito. Isso, sem pautar os atuais casos de condições de trabalho análogas à escravidão ou de escravidão moderna, contradizendo diretamente o que foi documentado em papel.
"Ciclo de uma sociedade racista: enquanto mais um jovem negro e pobre é preso só por existir, mais uma mãe negra e pobre sofre com a solidão." ~Marielle Franco
O ciclo do racismo fundamentava-se, e fundamenta-se, em segregações sociais. Houve a libertação, mas limitou-se a esse ciclo. Os problemas da herança da escravidão percorre nas raízes do Brasil, tomando novas caras com o passar do tempo - elucidando, assim, os alicerces do racismo estrutural.
Infelizmente, há esforços no Brasil para tentar apagar seu passado. Prova-se isso, por exemplo, na Lei 10.639, a qual determina o ensino da história da África e do indivíduo negro em todas as instituições de ensino, porém é limitada ao papel, sem a práxis.
“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.” ~Nelson Mandela
Recomendações de leitura:
Pequeno Manual Antirracista - Djamila Ribeiro
Mulheres, Raça e Classe - Angela Davis
As Veias Abertas da América Latina - Eduardo Galeano
O Espetáculo Das Raças - Lilia Schwarcz
Casa-Grande & Senzala - Gilberto Freyre
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